Entidades ligadas aos povos indígenas entregaram nesta terça-feira, 21, ao governo federal uma proposta para a criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade. O objetivo é apurar crimes cometidos contra comunidades indígenas durante o período da ditadura militar no Brasil. A recomendação faz parte do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado em 2014.
O documento foi apresentado pelo Fórum Memória, Verdade, Reparação Integral, Não Repetição e Justiça para os Povos Indígenas, um coletivo que reúne organizações indígenas, da sociedade civil, universidades e órgãos públicos. O Ministério dos Povos Indígenas (MPI), representado pela ministra Sonia Guajajara, afirmou que dará continuidade aos diálogos sobre o tema dentro da esfera governamental. Em nota, o ministério destacou que a violência contra os povos indígenas persiste nos dias atuais, e que o reconhecimento e a reparação do passado são essenciais para combater essa realidade.
Proposta de Criação e Missão da Comissão
A proposta formaliza a criação da comissão por meio de um ato normativo, possivelmente um decreto. O grupo seria composto por 14 membros, com a maioria sendo indígenas. Seriam sete indicados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e outros sete escolhidos a partir de uma lista apresentada pelo Fórum. A comissão teria um prazo inicial de três anos, com possibilidade de prorrogação, e sua principal missão seria investigar fatos e circunstâncias relacionadas a assassinatos, torturas, remoções forçadas, desaparecimentos e roubo de terras. Além disso, o grupo teria a responsabilidade de propor medidas de reparação para as vítimas e suas comunidades.
Contexto Histórico e Conclusões da CNV
A iniciativa é um desdobramento direto das conclusões da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Em seu relatório de 2014, a CNV estimou que pelo menos 8.350 indígenas foram mortos durante o regime militar. É importante ressaltar que este número é considerado uma subestimação, pois o levantamento abrangeu apenas dez dos 305 povos indígenas existentes no Brasil na época. A CNV documentou diversas violações, incluindo remoções forçadas, assassinatos, contaminações deliberadas por doenças, envenenamento, sequestro de Crianças e trabalho em condições análogas à escravidão. Com base nesses achados, a comissão recomendou a criação de uma instância específica para tratar das violações contra os povos indígenas e promover o reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro.
Fórum e Casos Emblemáticos
O Fórum Memória, Verdade, Reparação Integral, Não Repetição e Justiça para os Povos Indígenas foi criado em 2024 com o propósito de articular essa proposta. Entre as entidades que compõem o Fórum estão a Apib, o Instituto Vladimir Herzog, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), já foram levantados mais de 80 casos de violações praticadas durante o período ditatorial. Como desdobramento das conclusões da CNV, o Brasil tem trabalhado na retificação de certidões de óbito de pessoas mortas ou desaparecidas durante a ditadura. Mais de 100 famílias já receberam documentos corrigidos que refletem as reais circunstâncias das mortes, incluindo torturas e outras violações de direitos humanos. Casos notórios incluem os do deputado Rubens Paiva, do jornalista Vladimir Herzog, do sociólogo Paulo Stuart Wright, dos metalúrgicos Manoel Fiel Filho e Santos Dias da Silva, e do estudante Alexandre Vannucchi Leme. Embora o governo brasileiro reconheça oficialmente 434 mortes e desaparecimentos políticos, a presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugênia Gonzaga, estima que o número real possa ultrapassar 10 mil pessoas, incluindo indígenas e trabalhadores rurais.
Fonte: Estadão